Escritores da Liberdade
Todos os homens sociais possuem motivações abstratas, padrões de comportamentos assimilados pela cultura da qual fazem parte e com as quais administram suas próprias existências, ora aderindo a pessoas e a instituições, ora repelindo-as segundo modos de pensamento apreendidos. Algumas destas motivações abstratas são nefastas, gerando e alimentando comportamentos violentos contra outros que se opõem ás suas “ideias”. Uma dessas motivações abstratas é o preconceito que se manifesta em ações discriminatórias contra os negros, contra as prostitutas, os judeus, os homossexuais, dentre outros. Tal violência deixa marcas profundas na história pessoal de quem é alvo dela.
O filme Escritores da Liberdade nos apresenta de forma magistral as perniciosas conseqüências advindas de formas equivocadas de pensar que vitimam pessoas que estão à margem dos modelos ideológicos estabelecidos pela sociedade. Na película citada, os alvos sãos jovens negros, judeus, latinos e asiáticos, imigrantes pobres que se encontram nos EUA. Fazem parte do corpo discente de uma instituição de ensino na qual sofrem, dos professores e dos próprios colegas, os mais variados tipos de discriminação e de preconceitos. Estes estudantes formam gangs de rua e fazem delas tanto um mecanismo de defesa, quanto de identificação.
Sublime! Esta é, certamente, a palavra capaz de definir a emoção pela qual somos tomados quando assistimos ao filme. Para além dos elogios aos atores que foram magistrais e ao diretor (Richard LaGravenese) que foi formidável, Escritores da Liberdade nos toma de “assalto” e nos conduz para uma região de nós mesmos na qual a sensibilidade é responsável por nos fazer enxergar mais do que simples imagens e sons. Uma professora branca, bem vestida e jovem, aparentemente, sem experiência educacional, é enviada para cuidar da sala 203, na qual se encontram os mais conflitantes grupos, separados por fronteiras invisíveis impostas pelas gangs das quais fazem parte, mas são, no fundo, participantes de uma sorte comum.
O que a professora ‘G’ tem para oferecer a tais estudantes, marcados pela marginalização e pelo preconceito constantes? Para estes, a professora ‘G’ se constitui simplesmente em mais uma dentre tantas que assumiram a sala e na qual não ficaram mais que uma semana, de quem receberiam nada mais que o mesmo comportamento racista e desrespeitoso que recebiam de todos. A reação dos estudantes para com ela não é diferente daquela que costumavam manifestar para com todos os outros. Era apenas uma re-ação.
Na sala, o que se via, num primeiro olhar, nada mais era que desordem e selvageria manifestadas nas agressões mútuas, sintomas da dor e da sensação de pequenez e de impotência da qual eram vítimas, todavia, um olhar mais profundo e perspicaz conseguiria captar as fragilidades e as carências que esvaziavam seus jovens corações. Em resposta, temos a convicção, a determinação e a sensibilidade da professora ‘G’, responsável por lhes conceder muito mais que simples conceitos científicos. Mais que isto, ensinou-lhes a acreditar em si mesmos e a perceber o quanto eram importantes.
A professora ‘G’ não só os ajudou a elevar suas notas disciplinares, como igualmente elevou a dignidade de cada um, mostrando-lhes que eram merecedores de receber ações transformadoras de suas vidas. O filme abre o debate acerca da reflexão do papel da educação e deixa explícito que a educação ou será mais que simples transferência de conhecimentos, indo até o âmago do jovem, ou não será nada mais que uma atividade desgastante, cansativa e inútil para a vida da maioria das pessoas. Puros conceitos não transformam a natureza de ninguém, todavia se esta relação professor-estudante se dá de forma humana, sensível, tendo como base o respeito à criança e ao jovem, respeito às suas limitações e aos seus conflitos internos, abre-se possibilidades de transformações mútuas.
O filósofo Friedrich Nietzsche é considerado um dos melhores críticos da educação do século XIX. Sua crítica perpassa o tempo e seu pensamento torna-se atual, dada as incongruências da educação contemporânea. Segundo Nietzsche “deve-se abominar o ensino que não vivifica e o saber que esmorece a atividade. O homem deve aprender a viver...” (MARIA, 1999; p. 60). É exatamente a partir desta máxima que compreendemos que o sistema educacional que é centrado na pura transmissão de conceitos, sem ser centrado na preocupação da formação da integridade e da dignidade do educando, ajudando-o a romper com os grilhões opressores da sociedade, estará fadado ao fracasso constante.
A cultura será modificada a partir da transformação da vida de quem faz parte dos processos educacionais. Nietzsche pensa que “... a cultura só pode nascer, crescer, desenvolver-se a partir da vida e das necessidades de vida...” (MARIA, 1999; p. 60). Hoje, é possível encontrar os embates, os conflitos advindos das motivações abstratas, dos modos de ver e de ler o mundo que nos cerca. Conflitos gerados entre concepções violentas e visões de mundo mais esclarecidas, mais humanas, mais lúcidas. As guerras ideológicas se dão não só pelas ideologias religiosas, podem se dá também pelas ideologias educacionais. O filme citado nos mostra a “guerra” que havia entre a professora ‘G’ e certa coordenadora do colégio. Para a coordenadora, aqueles estudantes deviam receber o resto (livros danificados) porque, de fato, eles iriam sumir com o tempo, iriam desaparecer aos poucos... Ela desconsiderava, entretanto, que o sumiço dos estudantes ao qual se referia se dava com a morte destes, vítimas da guerra entre gangs.
Conciliar transmissão de conhecimentos, de conceitos com ações humanas, transformadoras de vida e de situações de violência que atingem a vida dos jovens aprendizes é o caminho para uma educação realmente transformadora. Não se pode ser um erudito, se o seu processo educacional se dá em meio á violência doméstica, à prostituição, em meio às drogas, etc. A educação transformadora modifica realidades não só individuais, mas também de comunidades, de famílias, de estruturas sociais. Transforma a coletividade, o social. O aprendizado que o filme propicia se constitui num ponto de partida para nortear a ação educativa de quem se aventura nesta doce e radical profissão.
Bibliografia Consultada:
1. MARIA R. D. Nietzsche Educador. São Paulo: ed. Scipione, 1990;
2. MORIN Edgar. A Cabeça Bem-Feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
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