Notas sobre Mito e Discurso filosófico-científico
Pode-se construir uma “relação” entre mito e religião?
Mito: narrativa de significação simbólica, transmitida de geração em geração dentro de um determinado grupo, e considerada verdadeira por ele (Aurélio).
“o mito se caracteriza pelo modo como estas explicações são dadas, pelo tipo de discurso que o constitui. O próprio termo grego mythos significa um tipo especial de discurso, o discurso ficcional ou imaginário”. (MARCONDES, 2010). Em toda religião, há mitos porque sempre há a tentativa de explicar “aspectos essenciais da realidade em [o povo] vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens deste povo, bem como seus valores básicos” (Ibidem).
Há que ter em mente que tanto há aspectos comuns entre religião e mito, o que os fundem em alguns momentos, como há aspectos fronteiriços que os separam. Uma característica do mito em especial é apresentada como elemento capaz de fundir mito e religião: “o apelo ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado, à magia” (Ibidem).
Ao mesmo tempo em que este elemento aponta para a religião, por causa do apelo ao mistério, produz certo distanciamento das pessoas comuns, portanto, reservando aos sacerdotes e iniciados o direito e o ofício de interpretar e de comunicar o mito, por meio de um discurso profundamente carregado de elementos religiosos.
O mito traduz o modo específico e particular de ver o mundo de determinado povo. È expressão cultural e exprime a essência do modo de ser deste mesmo povo. Enquanto o discurso mitológico traduz a visão do mundo deste povo, o tipo específico de religião que este mesmo povo pode possuir é um traço da identidade da sua cultura particular.
No macro contexto da cultura de um povo, tanto a religião quanto o mito se constituem em aspectos característicos da identidade deste povo e o diferencia dos demais. Por outras palavras, os mitos dos povos nórdicos os caracterizam e os diferenciam de outros povos.
Contudo, não há possibilidade de se aplicar questionamentos aos mitos. Não se pode criar critério de valor (criticar) e de avaliação dos mitos. Todos os mitos são expressões distintas porque culturais, mas traduzem o modo humano de ver o mundo pela ótica da poesia, da mística e da adesão pessoal. Os costumes e crenças de determinado povo estão velados no discurso mitológico que revela e esconde o que é próprio deste povo.
Concebo que é essencialmente no mito que a imaginação dança a alegria e a liberdade de expressar-se por meio de seu poder criativo e de sua esplêndida beleza. O mito é sublime quando a imaginação apresenta realidades que suplantam o homem, mas deixa-o em segurança, dando-lhe a oportunidade de contemplar e maravilhar-se.
No mito, “as causas dos fenômenos naturais, aquilo que acontece aos homens, tudo é governado por uma realidade exterior ao mundo humano e natural, superior, misterioso, divina, a qual só os sacerdotes, os magos e os iniciados são capazes de interpretar” (Marcondes 2010).
A segurança que o mito produz no homem advém do fato de este encontrar-se justificado no seio do seu grupo, no qual ele compartilha a identidade e o mesmo universo simbólico.
É sempre a insatisfação com a explicação que o mito oferece que impulsiona o individuo, ou um grupo de indivíduos, a buscar uma explicação da realidade a partir de elementos estritamente naturais, sem recorrer a aspectos sobrenaturais ou misteriosos. Essa busca inicia o discurso filosófico-científico, o discurso que verdadeiro enquanto prova o que afirma. No caso grego, segundo Aristóteles, é Tales de Mileto (VI a. C.) o iniciador do pensamento filosófico-científico (Ibidem).
_________________
Obra: Apolo e Dafne,1550 c.- Tigela proveniente de Urbino, Itália. Doação:Francisco Pignatari.
Comentários
Postar um comentário