Camus e O Mito de Sísifo [3]

“Ao longo de todos os dias de
uma vida sem brilho, o tempo nos carrega”.

O tempo, na intrínseca relação com a existência humana, costuma ser considerado um carrasco. “O tempo não pára, o tempo atrapalha, o tempo não tem pudor” (Gilberto Gil – estrela azul do céu). O tempo não espera nem respeita a lentidão humana em ser, em fazer, em transcender. O “amanhã”, o futuro, a previsão, o projeto, tudo isto se dá na esfera do tempo, sem que nos demos conta de que, por vezes, somos arrastados por ele, como quem está “atrasado”. Somos todos cônscios de que ao final, tudo terá um ponto final, uma brusca ruptura, uma cisão. A morte é a face oculta do tempo. Todos tendem para ela, dia após dia. O homem “pertence ao tempo” e nessa angústia encontra-se o a sensação do absurdo.


Se, por um lado, “a arte existe para que a verdade não nos destrua” (Nietzsche), por outro, revestimos o mundo por uma gama de significados, de símbolos de sentidos, desejosos de que ele não nos seja tão estranho, numa existência tão efêmera. Todavia, ele se nos escapa continuamente, constantemente. Ou seja, “O mundo nos escapa porque volta a ser ele mesmo. Esses cenários mascarados pelo hábito tornam a ser o que são. E se afastam de nós”. A maquiagem cai. Cai justamente porque é de sua natureza se esvair, evaporar, dissipar-se. A camada de “maquiagem” que pomos não se sustenta eternamente, não se sustenta porque o mundo é dinâmico, o homem igualmente o é. Se o mundo nunca é o mesmo, o homem tampouco o é. Tudo isto é igualmente absurdo. “Para um homem, compreender o mundo é reduzi-lo ao humano, marcá-lo com o seu selo”.


O homem está em constante fuga do absurdo, pois sua existência é absurdo. Foge e refugia-se no universo de significados previamente construídos para si. Sua base de sustentação, sua colunas de suporte. Sair do conflituoso contexto da juventude e deparar-se com um mundo sem sentido, sem brilho, sem foco. Um mundo esfacelado. Um mundo estúpido e absurdo. E então a natureza nos ajuda a criarmos significados. Frágeis os significados, frágil a existência, frágeis igualmente os homens. De fato, este mundo não é razoável. “Mas o que é absurdo é o confronto entre esse irracional e esse desejo apaixonado de clareza cujo apelo ressoa no mais profundo do homem. O absurdo depende tanto do homem quanto do mundo”.


Por que o homem vive? Por que eu vivo? Por que você vive? O que justifica as nossas existências? “Esse desconforto diante da inumanidade do próprio homem, essa queda incalculável ante a imagem do que nós somos, essa "náusea" como a denomina um autor dos nossos dias, [Sartre – a Náusea] é também o absurdo”. A existência humana é pura temeridade. E, no fim e ao cabo de tudo, está a morte e com ela se depara toda a fragilidade humana. Todo ser do homem luta em vão contra a morte, joga com ela, com a certeza de que sua derrota é certa. Joga, mesmo sabendo o final, joga para sentir-se contente em ter feito algo.Convida a morte ao jogo Xadrez (O Sétimo Selo - Ingmar Bergman), interroga-a e, ainda que as repostas ouvidas não sejam aceitas, ambos sabem que é assim, sem que nenhum dos dois consiga alterar absolutamente nada acerca desta realidade. O homem e a morte, face a face, numa relação mediada pela jogo. Desejo insano de vencer a morte. “Nenhuma moral, nenhum esforço são a priori justificáveis ante as sangrentas matemáticas que organizam a nossa condição”.


Todo amargo da existência está no fato de que o homem desconfia que sofre sozinho e sem justificação apropriada. A lógica humana admite sofrer desde que tenha uma clara e inequívoca justificação. Sofrer sozinho por “algo justo” justifica o sofrer. Na inexistência deste “algo justo”, a imaginação inventa, reinventa, constrói e destrói e faz da possibilidade e do ato de transcender-se o conteúdo da sua construção. “Este coração, em mim, posso experimentá-lo e julgo que ele existe. Este mundo posso tocá-lo e julgo ainda que ele existe. Pára aí toda a minha ciência, o resto é construção. Sofrer sem justificativa é sofrer duplamente. Em tudo isto consiste igualmente o absurdo. “Se o homem reconhecesse que também o universo pode amar e sofrer, ele estaria reconciliado”.


O homem talvez possuía apenas a hermenêutica do fio de Ariadne. “... com a ajuda do fio de Ariadne, Teseu encontrou a saída”. Labirintos existenciais, sem paixões, sem ajudas, só. Simplesmente só num universo apático. O universo não é empático, nem poderia ser. Se o fosse, não compreenderia o homem, nem sua existência. Talvez, somente o homem tateie o esboço de uma singela compreensão do próprio homem, sem, no entanto, possuir certeza alguma das conclusões a que chegar. São apostas. Apenas apostas, sem saber se no fim haverá vitória ou derrota. Às vezes, se dá as duas como no Mito de Ariadne. A vitória de Ariadne foi ter recebido Teseu de volta, são e salvo, a pós ter matado o Minotauro, mas, após uma noite de amor com o Teseu, por quem estava apaixonada, Ariadne perdeu-o. Nisto está sua derrota. Por vezes, o difícil não é matar o Minotauro, é, antes sim, sair do labirinto.

* Obras de René Magritte.

* To be continued.


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