Existir é Movimentar-se

A Dança na Vida e a melodia do Tempo

Minhas ausências no blog são justificáveis. No momento, necessito concretizar outros cenários, nos quais desejo e pretendo atuar num futuro próximo. Paralelo a este modo do meu pensamento, encontra-se a consciência de que a atividade que iniciei sobre o livro de Alberto Camus, dada sua excentricidade peculiar, não necessita de pressa, de velocidade, pois compreendo igualmente que muitos conteúdos deste livro necessitam ser ruminados e significados por mim, por meu ser interior, para esboçar uma fala, uma escrita, enfim, para externalizá-los.


Assim, consciente também do fato de que não sou ponte nem meio, a partir dos quais o Mito de Sísifo (Camus) seja lido, (quem sou eu para isso? Sou, no máximo, uma excêntrica possiblidade.), afirmo que ninguém necessita de pressa ao ler o Camus. Pelo contrário, afinal. A leitura do citado mito tanto mais profunda será quanto mais demorada se der. Tanto mais profícua será quanto mais ruminada for. Tanto mais produtiva no espírito humano quanto mais vezes revisitada for. Isto porque o espírito humano, antes e para além da sua essência, de caracteriza por constantes transformações, mutações diversas e variadas.


Nesse turbilhão de mudanças dialéticas, aquilo que foi visto e lido no ontem do espírito e que foi significado por este a partir de um contexto específico em que se encontrava, pode ser ressignificado, no contexto em que o mesmo se encontra no seu hoje. Este ato de ressignificar traduz não uma fraqueza de persona ou de caráter, mas revela o constante diálogo do seu ser com a realidade com a qual é amiúde confrontado.


O ato de interpretação do que quer que seja exige não apenas um espírito atento, tal qual o pássaro de minerva, mas, sobretudo, requer uma integridade de ser, uma inteireza de espírito que só são encontrados naqueles cujos olhos não se contentam com um mero vislumbre do que se apresenta. Inteireza de espírito identificada apenas em quem dançou com a Vida, de mãos dadas com a proximidade fatídica da Morte, a célere melodia do Tempo. A cor e o brilho do conteúdo da interpretação revela a qualidade do seu ser; revela o jardim em que vive a própria alma que o produziu; revela igualmente o sol pelo qual ela é iluminada. Contudo, o ato de interpretação é, na verdade, um ato de autorevelação. Por tudo isso, o que há não são necessariamente interpretações, mas, apenas, espelhos d’alma.


Ao ler uma interpretação, entra-se em contato com a alma que ali se revela, como expressão de si para si mesma. Na poesia se dá o mesmo. A poesia é a linguagem da alma que a produz. Pena que nem todas foram devidamente despertadas para expressar-se por esta linguagem. Quem interpreta, lê a si mesmo (a) no que tornou público por um ato de profunda embriaguez. E quem o ler, se encontra a si mesmo (a) no mesmo espelho.


O Camus revelou sua alma ao escrever o Sísifo. Revelou igualmente os “campos” que sua alma visitava, vivenciando a profunda experiência da liberdade em ser. Lançar um olhar sobre o que se configura e descer até onde possível for e se encontrar naquilo que o próprio olhar revela.


O absurdo de ser sem pedir para sê-lo perfaz a trilha de todas as almas. O que diferencia seus brilhos são apenas os significados que cada uma foi capaz de construir a partir de suas leituras da realidade, de suas próprias interpretações de si mesmas, do mundo e da extraordinária, porque incrível, aventura de viver.


Sentir-se como quem foi posto num jogo por uma mera possibilidade e, uma vez dentro dele, não é mais possível voltar, arrepender-se, anulá-lo, ou trapaceá-lo, porque se quaisquer dessas ações forem executadas, estaremos, fatidicamente, boicotando a nós mesmos. Então, o que fazer? Também não se pode ‘não fazer nada’. Definitivamente, não se tem este poder. Uma vez no jogo, deve-se jogar. Podemos, no entanto, aprender as regras, se é que elas existem; regras que, por sua vez, também mudam constantemente, como que ação de um sórdido embusteiro.


E aí, como quem aprende os truques do próprio trapaceiro de quem foi vítima várias vezes, aprende-se a melhor forma de lidar com este emaranhado que é a nossa existência.


Aprende-se, por exemplo, que nada é estático, porque se parar, apodrece, fica fétido. Então, aprende-se que movimentar-se nas mais diversas direções em que for capaz de fazê-lo e das mais variadas formas que lhe seja possível, é a melhor forma de existir. Recobra-se então a consciência de que existir nada mais é que dançar a melodia do Tempo, de mãos dadas com a Vida, sentindo o olhar espreitador da Morte.


Por que a Morte não dança com a gente, ao sabor do Tempo e com a Vida? A Morte também dança. Só não permite ser vista dançando. Algo como aquela moça que não sabe dançar, que se envergonha ao ser flagrada, esboçando alguns passos de dança. A Morte não se deixa ver dançar, porque ela dança não conosco e com a Vida, embalados pela melodia do Tempo, mas com o Mistério, seu doce amado sob a sombra de quem ela vive.


Ela não se deixa flagrar dançando porque ela não respeita os passos da melodia do Tempo. A Morte é des-ritmada e descompassada. Eis ai sua natureza de ser. Contudo, ela é a única via pela qual nos fundimos à própria melodia do Tempo e voltamos a ser mais se, porventura, algum dia fomos mais do que possamos ser hoje.

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