Linguagens, Sinais, Comunicação

“Minhas lágrimas vão manchar minhas letras”.

A percepção de estar só (solo) desencadeia uma série de sensações e emoções em qualquer pessoa. Não me refiro ao fato de estar sozinho em qualquer lugar. Refiro-me ao fato de estar numa família (qualquer tipo de família ou grupo), por exemplo, e sentir-se isolado, porque nenhuma pessoa ao seu redor lhe dispensa, lhe oferece a dignidade de ser notado. Porque estão angustiados demais consigo mesmos ou porque possuem uma autoimagem tão destroçada que são incapazes de oferecer algo de si. Estas pessoas afirmam, com seu comportamento, que também necessitam mais de serem notadas, valorizadas, respeitadas. “Necessitam de ser notadas”. O que acontece com um grupo pequeno de pessoas no qual todos necessitam de serem notados, mas, no entanto, ninguém nota uns aos outros? As vias de comunicação dos sentimentos estão desconectadas, desencarrilhadas. Nadas transita por elas, a não ser uma constante emissão do desejo de ser notado. Todos disparam de si, sem nada acolher do outro. Desejo emitido. Desejo revelado, mas não interpretado. Não acolhido. Desejo não realizado. “Necessitam ser notadas”.

“Notar” significa distinguir. Pode-se distinguir determinada pessoa dos objetos inanimados com os quais se divide o espaço ou pode-se tratá-la como se esta pessoa fosse mais um móvel no local. Pode-se distinguir determinada persona dos outros animais ou pode-se tratá-la com a indistinção com a qual, em geral, (lamentavelmente!) se “trata” os animais, sobretudo os cães (infelizmente, com os cães!). Pode-se, inclusive, tratar a todos com a mesma indiferença, demonstrando com isso que ninguém possui qualquer justificativa que o diferencie das demais. E, por fim, pode-se distinguir uma pessoa especial no meio de uma multidão. Neste caso, a distinção que é feita é recíproca. É uma via de mão dupla. É um diálogo d’alma. Notar é distinguir e é igualmente dar-se conta do outro (a), por causa daquilo que ele (a) significa para si. Ter consciência disto. Toda consciência é consciência de alguma coisa e de alguém.

Distinguir é não confundir. Não confundir a pessoa com o móvel, com o animal. Não ser indiferente. Na relação, não ignorá-la porque n’ela pulsa uma vida, um “ser algo”. As “vidas” pulsam e se comunicam nesse eterno pulsar. A vida é mais vida com outra vida. Assim como consciência é sempre consciência de alguma coisa (Sartre e Fenomenologia), “ser” é sempre ser algo, ser alguém. Sempre se é alguma coisa a mais do que simplesmente “ser”. Ninguém nunca ‘é’, simplesmente. Não confundir é, portanto, ser cônscio da diferença que há entre pessoas, entre estas, as coisas e os animais.

Aí, surgem as ideias. Estas ideias se configuram na tentativa do ser de fortalecer sua força vital, seu conatus, segundo Espinosa, para conservar seu ser na existência. Conservar o ser para ser mais. As emoções perpassam o ser da pessoa humana. Toda ela é emoção, muito mais que razão, como as ideias do romantismo sinalizavam. No que se trata da relação entre humanos, uma vez executada uma ação, sugerida por uma ideia, nunca mais se é capaz de controlar plenamente seus efeitos. Há acontecimentos entre as pessoas que não se resolvem em vida. Que levam 70 80 anos e não são resolvidos, porque, por vezes, nada foi possível de ser feito para apaziguar as almas.

Algumas vezes, me perguntam: “o quão cuidadoso devemos ser no trato com o outro?”. Penso por um instante e esboço uma resposta, afirmando que a mesma potência que o impulsionou a fazer esta pergunta, buscando, com isto, aperfeiçoar a relação, qualquer que seja ela, é, certamente, a mesma força inteligente com a qual se deve tratar o “outro”, qualquer outro. Nada sou a não ser na relação com o outro. Nada posso a não ser na relação com o outro. Só há poder porque há relação entre indivíduos (Foucault). Apenas sou porque há outro ser com o qual construímos as mais impensáveis relações. No entanto, por inúmeras vezes, infelizmente, é-nos possível apenas sofrer (doer-se) as consequências advindas de uma primeira ação que desencadeou um turbilhão de tantas outras.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Niilismo como refúgio e criação.

Quem Conhece Mafalda?

Notas sobre Preconceito Religioso e Sociedade