O Que Foi o Século XX?

Encontramo-nos já adiantados no século XXI e nem por isso deixamos de sentir que a maioria dos acontecimentos do presente e daqueles projetados para o futuro possui a desconfortável característica de possuir pouco mérito; certa mediocridade assola o contexto mundial em que nos encontramos. Afinal, para esboçar alterações significativas num futuro não muito distante, faz-se necessário perceber profundamente o século em que nos encontramos, ainda que certa miopia oprima os homens no ato de enxergar a urgência de atualizarem-se para vivenciar e desenvolver novo comportamento, mais holístico e tolerante.

Pensando nisso, surgiu a pergunta: Afinal, que olhar temos (construímos) do século XX? Partir em pesquisa e descobrir, no livro de Eric Hobsbawn - "Era dos Extremos: o breve século XX" -, uma série de fragmentos dos maiores e melhores pesquisadores, jornalistas, filósofos, antropólogos... da Europa e, analisando tais fragmentos, pude perceber que eles exprimem a síntese mais lúcida acerca do século XX.

Pela importância e pela atualidadede de tais fragmentos, decidi compartilhá-los convosco.

"Isaiah Berlin (filósofo, Grã-Bretanha): vivi a maior parte do século XX, devo acrescentar que não sofri provocações pessoais. Lembro-o apenas como o século mais terrível da história.

Julio Caro Baroja (antropólogo, Espanha): Há uma contradição patente entre a experiência de nossa própria vida - infância, juventude e velhice passadas tranquilamente e sem maiores aventuras - e os fatos do século XX... os terríveis acontecimentos por que passou a humanidade.

Primo Levi (escritor, Itália): Nós, que sobrevivemos aos Campos, não somos verdadeiras testemunhas. Esta é uma ideia incômoda que passei aos poucos a aceitar, ao ler o que outros sobreviventes escreveram - inclusive eu mesmo, quando releio meus textos após alguns anos. Sós, sobreviventes, somos uma minoria não só minúscula, como também anômala. Somos aqueles que, por prevaricação, habilidade ou sorte, jamais tocaram o fundo. Os que tocaram, e que viram a face das Górgonas, não voltaram, ou voltaram sem palavras.

René Dumont (agrônomo, ecologista, França): Vejo-o apenas como um século de massacres e guerras.

Rita Levi Montalcini (Prêmio Nobel, ciência, Itália): Apesar de tudo, neste século houve revoluções para melhor [...]o surgimento do Quarto Estado e a emergência da mulher, após séculos de repressão.

William Golding (Prêmio Nobel, escritor, Grã-Bretanha): Não posso deixar de pensar que este foi o século mais violento da história humana.

Ernst Gombrich (historiador da arte, Grã-Bretanha): A principal característica do século XX é a terrível multiplicação da população do mundo. É uma catástrofe, uma tragédia. Não sabemos o que fazer a respeito.

Yehudi Menuhin (músico, Grã-Bretanha): Se eu tivesse de resumir o século XX, diria que despertou as maiores esperanças já concebidas pela humanidade e destruiu todas as ilusões e ideais.

Severo Ochoa (Prêmio Nobel, ciência, Espanha): O mais fundamental é o progresso da ciência, que tem sido realmente extraordinário [...] Eis o que caracteriza nosso século.

Reymond Firth (antropólogo, Grã-Bretanha): Tecnologicamente, coloco o desenvolvimento da eletrônica entre os fatos mais significativos do século XX; em termos de ideias, destaco a passagem de uma visão relativamente racional e científica das coisas para outra não racional e menos científica.

Leo Valiani (historiador, Itália): Nosso século demonstra que a vitória dos ideais de justiça e igualdade é sempre efêmera, mas também que, se conseguimos manter a liberdade, sempre é possível recomeçar [...] Não há por que desesperar, mesmo nas situações mais desesperadas.

Franco Venturini (historiador, Itália): Os historiadores não têm como responder a essa pergunta. Para mim, o século XX é apenas o esforço sempre renovado de entendê-lo".


**Agosti & Borgese, 1992, p. 42 - 160 apud Eric Hobsbawn - "Era dos Extremos: o breve século XX"


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Niilismo como refúgio e criação.

Quem Conhece Mafalda?

Notas sobre Preconceito Religioso e Sociedade