O Homem Absurdo

Após inúmeros dias de silêncio, nos quais não me era possível escrever para este blog, estou de volta para retomar o trabalho. Retorno a esta “casa” e encontro os jardins com algumas flores e foram justamente elas que me impulsionaram a retomar a atividade de escrever. Retomo, portanto, o Mito de Sísifo (Alberto Camus) e continuo a deixar pegadas no papel e nas almas dos homens. Contudo, alerto: Não quero nada, não pretendo nada. Estes escritos são a expressão de minha ataraxia intelectual. Apenas espelho minha alma sem nenhuma pretensão.

Todo o pensar inicia-se a partir de uma interrogação, de uma indagação acerca de algo crucial para aquele que inicia o pensamento. Partimos das incógnitas primeiras (o que é o mundo, Deus e o homem?) e, ainda que não encontremos respostas profundas e verdadeiras acerca destes “universos”, somos arrastados pela sequência dos dias de nossa existência, numa clara afirmação de que não temos tempo para reservar exclusivamente a estas questões. Não temos tempo porque a vida humana é curta para tanto, e, igualmente, porque tantas outras dúvidas nos assaltam.

O ser do homem é um ser de perguntas e de respostas. Ele mesmo é o elo entre uma e outra. Uma vida humana sem o mínimo de perguntas e de respostas/certezas objetivas, sobretudo certezas que dizem respeito às demandas existências, tende a ser uma vida flutuante. Não porque este modo de viver seja “leve”, mas porque este ser não tem os pés firmes em nada. Esta vida segue no transcorrer dos dias sem fixar-se em nada, em ninguém. Configura-se num ser estranho a si mesmo.

Cumpre lembrar que é possível flutuar sobre as “ondas”, até mesmo de mar revolto e, mesmo assim, salvar a própria vida, na íntegra. Nestes casos, não é o mergulho para a terra firme das profundidades do mar que garante a eficácia do ato de salvar a vida, é, antes sim, o ato de deixar-se levar em direção à “praia”, onde a terra firme garante a vitória sobre o risco da morte. No entanto, nesta situação, a única atividade segura é não perder de vista o objetivo de alcançar a praia, porque é a vida que está em jogo.

Cumpre lembrar igualmente que as bandeiras hasteadas no alto do mastro também flutuam, entretanto, ainda que o vento, em fúria constante, violente-as ao ponto de rasga-las, nem mesmo assim elas desprendem-se daquilo ao qual estão presas (mastro). No primeiro caso, aquilo que pode ser a causa da morte (as ondas, as água profundas do oceano) são igualmente a causa da possibilidade de viver, de salvar-se, isto é, flutuar sobre as ondas até a “praia”. No segundo caso, o vento é justamente o que torna as bandeiras mais esplêndidas, ainda que lhe causem rasgões, fissuras e a própria “morte”. Se a bandeira se desprende do mastro, ela cai e se perde.

O que a constante necessidade humana de obter respostas tem a ver com estes casos? Tudo e nada. Depende do tipo de homem que esteja lendo este escrito. Se você for um homem que vive “sem apelação e se basta com o que tem” talvez julgue que não tem nada a ver. Todavia, se você é o tipo de homem que foi “instruído (sic) sobre os próprios limites”, pode julgar que tem tudo a ver.

O homem absurdo é inocente, afirma Camus. Sua inocência encontra-se na ingênua tentativa de significar o universo ao seu redor, como se deste ato dependesse a justificativa da própria existência. Os homens em geral não suportam o fato de que suas existências não tem qualquer finalidade preestabelecida. Fernando Savater afirma que é difícil saber o quanto uma pessoa é boa porque não sabemos para que ela serve. (Ética para meu filho). A “inocência é temível” e “o absurdo não liberta, liga”. Estas frases de Camus justificam-se na existência humana a partir da esterilidade da ideia de um esperançoso futuro para o pensamento e para a vida do homem.

A inexistência de qualquer pretensão, de expectativa e de esperança é talvez o que pode tornar cada dia da existência humana um ato de bravura. O discurso desprovido de intenções, de pretensões constitui-se certamente no discurso mais verdadeiro, mais coerente e a vida humana, em toda a sua complexidade, possui muitas pretensões. O homem em geral tem muitas pretensões em relação a tudo, inclusive em relação à divindade. Desejar é a fonte do sofrer. O homem não vive sem desejar e sem sofrimento, as duas coisas lhe são inerentes.

foto: william turner

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