Hipermodernidade

A Hipermodernidade

É sabido que, em finais da década de 1970 e início da de 1980, o Marxismo se apresentava como o instrumento de explicação da sociedade e do indidívuo, o qual julgava ser capaz de realizar uma análise profunda e precisa, por meio de conceitos como ‘alienação’ e ‘luta de classes’. Todavia, o tempo do marxismo, enquanto categoria explicativa do real, se foi. Expirou e não mais exprime o real. Com mais ou menos interferência e influência do capitalismo,o desenvolvimento das sociedades e as faces que os indivíduos foram desenvolvendo com o passar dos anos necessitavam de outros discursos, de outras abordagens discursivas, enfim, de outras posturas conceituais. Faziam-se necessários outros instrumentos de análise porque a sociedade agora se faz e se quer democrática e individualista.

O tom dos discursos começou a apresentar-se bicolor, isto é, de um lado, a decepção com o que se percebia pelas análises feitas e, por outro, o saudosimo de um tempo que não mais se apresentava como possível. Com isto, fazia-se presente nos discursos o lamento pela presença da decepção dos indivíduos e pela manifestação de certo “irracionalismo”, convidando, portanto, a rever o próprio conceito de razão.Assim, temos que:

... o conceito clássico de razão deve efetivamente ser revisto. Depois de Marx e Freud, não podemos mais aceitar a ideia de uma razão soberana, livre de condicionamentos materiais e psíquicos. Depois de Weber, não há como ignorar a diferença entre uma razão substantiva, capaz de pensar fins e valores, e uma razão instrumental, cuja competência se esgota no ajustamento de meios a fins. Depois de Adorno, não é possível escamotear o lado repressivo da razão, a serviço de uma astúcia imemorial, de um projeto imemorial de dominação da natureza e sobre os homens. Depois de Foucault, não é lícito fechar os olhos ao entrelaçamento do saber e do poder. Precisamos de um racionalismo novo, fundado numa nova razão (ROUANET, 1987, p. 12).

Para o indivíduo moderno, não havia outra postura a não ser a de render-se ao surpreendentemente novo e às aventuras de toda natureza que este novo possibilitava. Na sociedade hipermoderna, inevitavelmente, novos delineamentos foram percebidos e exigia-se um novo jeito de ser e um novo comportamento social. Portanto, na hipermodernidade, inevitavelmente também, o indivíduo assumiu um novo papel, demonstrando certo protagonismo por um lado e, por outro, tamanha submissão. Eis o paradoxo da hipermodenridade. O indivíduo é senhor do consumo (lazer, bem-estar e “liberdade” de escolha) e a seus desejos, privados ou não, necessários ou inventados, todo o mercado se rende sófrego pelo lucro que o sujeito lhe pode gerar. Todavia, é nesta realidade profundamente mesclada pela possibilidade de criar e inventar “necessidades” para o indivíduo hipermoderno que se apresenta mais claramente a face da sua submissão. O contexto se completa com a constatação do:

Processo de emancipação do indivíduo em face às imposições coletivas. Foi algo que se concretizou na liberação sexual, na ruptura com as obrigações morais, na ausência de compromisso ideológico, no estilo de vida à la carte. A ordem autoritária, disciplinar, moralista fora profundamente abalada pelo hedonismo da sociedade de consumo. (LIPOVETSKY, 2007, p. 3).

A hipermodernidade, portanto, é multifacetada não somente nos aspectos estruturais ou sócio-culturais, também o é em sua multicomposição. Assim, percebe-se que as configurações sociais atual “simultaneamente, podem induzir-nos ao otimismo e ao pessimismo” (Ibidem). Com o esfacelamento das certezas de antes, a decepção assume seu lugar e molda os contornos dos comportamentos atuais, tempo no qual desejo e decepção se coadunam, sugerindo talvez que a existência humana, sem metafísica e sem transcência, por vezes, perde um pouco de si. Contudo, “desejo e decepção caminham juntos. A dicotomia entre a expectativa e o real, princípio de prazer e princípio de realidade, criam um vazio que muito dificilmente pode ser preenchido”(LIPOVETSKY, 2007, p.5).

Mas, convém ir adiante, traspassando o mero momento que assistimos. Convém, contudo, permear o presente do otimismo incompreendido por Schopenhauer e por Cioran e colorir de outros significados aquela pseudo-felicidade oferecida permanentemente como paleativo para espíritos rasos. Faz-se pertinente ultrapassar o imediatismo eufórico que faz deitar o indivíduo no mais premente estresse e superar os “imperativos do bem-estar e do bem-viver” para, consequentemente, iniciar a superação da decepção assolante.

Se o tempo é outro, sejamos igualmente outros, sem, no entanto, perdermos a essência daquilo que nos contitui. Todavia, cumpre ressaltar que o indivíduo e a sociedade são complexos e dinâmicos demais para que receita de qualquer natureza lhes sirvam para redefinir quaisquer dos seus caminhos, faces e comportamentos. É, portanto, destas caracterísicas essenciais que os indivíduos devem retirar os vislumbres que nortearão suas vidas em sociedade e suas existencias em particular.

BIBLIOGRAFIA

AMARAL, A. e GOMES C. Aristóteles. Política, Lisboa: Vega, 1998.

CHAUI, Marilena de Souza. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

FOULCAULT, michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. – 1. Ed. – São Paulo: Folha de S. Paulo, 2010.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LIPOVETSKY, Gilles. A Sociedade da Decepção. Barueri, SP: Manole, 2007.

_______________. A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das letras, 2007.

LYOTARD, Jean-François. O Pós-Moderno. – 3ª ed. – Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1988.

NOVAES, Adauto (org.). O Desejo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

PETRINI, João Carlos. Pós-Modernidade e Família: um itinerário de Compreensão. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das letras, 1987.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. – 2ª ed. – São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.

Comentários

  1. "Todavia, o tempo do marxismo, enquanto categoria explicativa do real, se foi. Expirou e não mais exprime o real."

    É óbvio que o tempo não parou e que uma aplicação ipse literis da teoria marxista à realidade, sem mediações, não faria jus a essa realidade. Concebendo o pensamento como condicionado historicamente, Marx tinha certeza que seria 'ultrapassado'. Ele permanece, portanto, atual.
    Além disso, a forma do capitalismo mudou, mas ele não deixou de ser capitalismo. Sua estrutura, a caracterização do proletariado, seus mecanismos de luta, as formas de ideologia, tudo isso sofreu alterações, mas tais alterações permanecem, como afirmava Marx, condicionadas pela relação homem-natureza e homem-homem.

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